Um único vídeo, um grito de alerta no meio do caos digital, foi suficiente para chacoalhar os alicerces do poder legislativo no Brasil. Com mais de 29 milhões de visualizações e uma enxurrada de reações, o youtuber Felipe Bressamin Pereira, mais conhecido como Felca, não só expôs a preocupante realidade da adultização de crianças nas redes sociais, mas também deflagrou uma série de ações concretas por parte de políticos. O resultado imediato? Sete novos projetos de lei (PLs) foram protocolados na Câmara dos Deputados em resposta direta à sua denúncia. Esse movimento, que ganhou força sob o olhar atento da opinião pública, sinaliza uma possível virada no debate sobre a proteção de menores na internet e a responsabilidade das plataformas digitais.
A repercussão do vídeo de Felca foi tão significativa que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), já se manifestou, prometendo celeridade na análise das propostas. A ministra Gleisi Hoffmann (PT/RS) endossou o coro, fazendo um apelo direto às plataformas para que assumam um papel mais ativo na proteção de crianças e adolescentes. A onda de indignação e a subsequente mobilização política refletem um crescente reconhecimento de que a internet, apesar de ser uma ferramenta de conexão, se tornou um ambiente perigoso, muitas vezes explorado por criminosos.
O alarme de Felca e a corrida por leis mais rígidas
O vídeo do youtuber, com seus quase 50 minutos de duração, mergulha em uma análise detalhada e contundente sobre a exposição de crianças a situações inadequadas. Ele não se limitou a um único caso, mas utilizou exemplos de influenciadores como Hytalo Santos e Caroline Dreyer, expondo o que ele considera como exploração e sexualização de menores. O impacto foi imediato: as contas de alguns dos citados foram suspensas, e investigações foram abertas. O próprio Felca, em uma atitude proativa, registrou boletins de ocorrência e ações judiciais contra mais de 200 contas por difamação, propondo que os réus doem para entidades de proteção infantil como forma de acordo.
A urgência do tema ecoou nos corredores da Câmara, gerando uma resposta legislativa sem precedentes. Os novos projetos de lei buscam preencher lacunas existentes na legislação e oferecer ferramentas mais robustas para combater a exploração digital. Entre as propostas, a mais notável é o PL 3852/2025, de autoria de Marx Beltrão (PP/AL), que propõe a criação da "Lei Felca". Esse projeto busca definir, proibir e criminalizar a adultização e sexualização infantil na internet. Outras propostas, como a do deputado Cleber Verde (MDB/MA), buscam alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para reconhecer a adultização precoce como uma forma de violência psicológica, estabelecendo medidas de prevenção.
Análise das novas propostas em debate
Os sete novos PLs apresentados não se limitam a uma única abordagem. Eles representam um esforço multifacetado para combater o problema de diferentes ângulos. A deputada Yandra Moura (UNIÃO/SE), por exemplo, propõe a responsabilização civil e penal de condutas que envolvam a sexualização de crianças, além de medidas como o bloqueio de algoritmos e contas que promovam tais conteúdos. Já o deputado Capitão Alden (PL/BA) busca combater a adultização precoce e a pedofilia em ambientes digitais, com o uso de inteligência artificial (IA) como ferramenta de detecção.
Além da criminalização, há também um foco em iniciativas de conscientização. O PL 3837/2025, de autoria de Duarte Jr. (PSB/MA), visa instituir a Política Nacional de Conscientização e Combate à Adultização Infantil. Esse tipo de abordagem é crucial, pois a educação e a prevenção são tão importantes quanto a punição. Para o deputado Dr. Zacharias Calil (UNIÃO/GO), a solução está em tipificar o crime de “adultização digital” no Código Penal, enquanto a deputada Silvye Alves (UNIÃO/GO) propõe a criminalização da exploração da imagem de menores com fins lucrativos na internet.
Esses projetos somam-se a outros 45 que já tramitavam na Câmara desde 2023. A existência de tantos projetos anteriores, que abordam desde o aumento de penas até a implementação de filtros e a regulamentação do trabalho de crianças como influenciadoras, demonstra que o tema não é novo, mas que a voz de Felca foi a ignição necessária para impulsionar a pauta de forma acelerada.
O papel das plataformas e a responsabilidade dos pais
A discussão sobre a adultização infantil vai além das leis e dos youtubers. Ela toca diretamente na responsabilidade das plataformas digitais e dos pais. A ministra Gleisi Hoffmann acertou ao fazer um apelo às plataformas. Afinal, são elas que hospedam os conteúdos, monetizam a audiência e, muitas vezes, falham em fiscalizar e remover material inadequado. A proposta de bloqueio de algoritmos e contas, presente em alguns dos novos PLs, aponta para essa direção, buscando responsabilizar as empresas por omissão.
No entanto, o problema também reside na falta de conhecimento e supervisão por parte dos pais e responsáveis. O conceito de adultização infantil, como definido pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), é a aceleração forçada do desenvolvimento da criança para que ela adote comportamentos que não correspondem à sua idade. Nas redes sociais, essa realidade é potencializada pela busca por likes, seguidores e a pressão por engajamento. Muitos pais, sem a devida orientação, acabam expondo seus filhos de forma indevida, ou simplesmente não têm a noção dos riscos que o ambiente digital oferece.
Propostas como o PL 3434/2025, do deputado Amom Mandel (Cidadania-AM), que estabelece instrumentos de verificação de idade e controle parental, são fundamentais para dar aos pais as ferramentas necessárias para proteger seus filhos.
Um passo crucial para a segurança online infantil
A viralização do vídeo de Felca e a subsequente mobilização no Congresso representam um marco na luta pela segurança de crianças e adolescentes na internet. A "Lei Felca" e os outros projetos em pauta são um sinal claro de que a sociedade e os legisladores estão cada vez mais conscientes dos perigos da exploração digital. Embora o caminho legislativo seja longo e complexo, a velocidade com que as propostas foram apresentadas demonstra a urgência do tema.
Agora, o desafio é transformar a indignação e o debate em legislação eficaz, que consiga equilibrar a liberdade de expressão com a proteção integral da infância. A sociedade, os legisladores, os pais e as próprias plataformas digitais precisam trabalhar juntos para garantir que a internet seja um espaço de aprendizado e diversão, e não um palco para a exposição e a exploração de menores.
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