Um grito vindo do campo ecoa pelas estradas do Sul
As estradas que ligam Santa Catarina ao Rio Grande do Sul amanheceram parcialmente paradas nesta sexta-feira (30). Agricultores organizados em movimentos pacíficos bloquearam trechos das rodovias que conectam Chapecó (SC) a Passo Fundo (RS) em protesto contra o endividamento rural. A mobilização, que já se estende há cerca de 15 dias, visa pressionar o Governo Federal a apresentar soluções concretas para as crescentes dificuldades financeiras enfrentadas pelos produtores do Sul do país.
Com bloqueios totais nos trechos afetados entre 8h e 12h e novamente entre 13h30 e 18h, os manifestantes exigem a securitização das dívidas e a prorrogação dos prazos de pagamento, medidas vistas como essenciais para garantir a sobrevivência da agricultura familiar e da produção em larga escala.
A mobilização chama atenção pela organização e pela ênfase em manter o caráter pacífico do protesto. Ambulâncias, viaturas policiais e veículos de emergência estão sendo liberados normalmente, e os agricultores recomendam que demais motoristas busquem rotas alternativas.
Onde ocorrem os bloqueios: principais trechos afetados
Motoristas que trafegam na rota entre Chapecó e Passo Fundo devem ficar atentos aos seguintes pontos de bloqueio:
Acesso via Nonoai:
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Ronda Alta: em frente ao restaurante Varandas, próximo ao trevo norte da cidade;
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Três Palmeiras: bloqueio no perímetro urbano;
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Pontão: também com interrupção total do trânsito durante os horários previstos.
Acesso via Erechim:
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Getúlio Vargas: bloqueio ativo nos mesmos períodos, afetando o tráfego de veículos leves e pesados.
Todos os bloqueios seguem o cronograma das 8h às 12h e das 13h30 às 18h, com possíveis prorrogações conforme o andamento das negociações com o governo.
O que pedem os agricultores: securitização e prorrogação de dívidas
O principal objetivo da mobilização é chamar atenção para o crescimento do endividamento rural, causado por uma combinação de fatores como:
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Altos custos de produção (insumos, fertilizantes, defensivos agrícolas);
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Crises climáticas, com secas e enchentes frequentes na região Sul;
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Queda nos preços de venda dos produtos agrícolas;
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Atrasos e falhas em políticas públicas de apoio ao setor agropecuário.
Os manifestantes pedem, especificamente:
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A securitização das dívidas, ou seja, a transformação dos débitos em títulos que possam ser refinanciados com prazos e condições especiais;
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A prorrogação dos prazos de pagamento das parcelas vencidas ou a vencer, evitando que os agricultores percam suas terras, máquinas ou acesso ao crédito;
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O anúncio de um plano emergencial de apoio ao setor rural, com foco nos pequenos e médios produtores.
Um protesto que cresce em força e visibilidade
A mobilização começou em menor escala, com reuniões de produtores em sindicatos rurais e cooperativas agrícolas. No entanto, com a falta de resposta efetiva do governo até o momento, os atos se intensificaram e passaram a incluir bloqueios rodoviários — considerados medidas de pressão legítimas pelos organizadores.
Fala dos organizadores
“O que estamos fazendo é um grito por socorro. Não queremos parar o país, mas queremos ser ouvidos. Estamos pagando para trabalhar e vendo nossas propriedades afundarem em dívidas. O governo precisa agir antes que o campo quebre de vez”, disse Carlos Pereira, um dos coordenadores da mobilização em Três Palmeiras.
O movimento é organizado em sua maioria por sindicatos locais, cooperativas e associações de produtores, com apoio de entidades como Fetag-RS, Contag e movimentos de agricultores familiares. Muitos cartazes nas rodovias exibem frases como “Sem campo forte, não há comida na cidade” e “Produtor endividado, Brasil ameaçado”.
Impactos no tráfego e na economia local
Embora as manifestações sejam pacíficas, os bloqueios têm gerado impactos relevantes no tráfego de veículos e na logística de cargas entre os dois estados. Empresas de transporte relataram atrasos nas entregas e mudanças nas rotas para evitar os pontos de interdição.
Segundo a Associação das Transportadoras da Região Sul, a situação, se prolongada, pode afetar a circulação de produtos perecíveis, grãos e insumos industriais. “Respeitamos a causa dos agricultores, mas também alertamos que as consequências econômicas de bloqueios prolongados podem ser graves”, disse a presidente da entidade, Maria Cláudia Hoffmann.
A recomendação é que motoristas de passeio, caminhoneiros e empresas logísticas consultem os canais de tráfego em tempo real antes de pegar a estrada e busquem rotas alternativas, especialmente durante os horários mais críticos.
Governo ainda não apresentou resposta formal
Até o momento, o Governo Federal não apresentou uma proposta formal por escrito aos agricultores, condição que foi colocada pelos manifestantes para encerrar a mobilização. Embora membros do Ministério da Agricultura tenham sinalizado diálogo, os líderes do protesto consideram que apenas documentos oficiais com medidas concretas terão peso suficiente para suspender os bloqueios.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério da Fazenda estariam discutindo internamente a possibilidade de reestruturar linhas de crédito para o campo, mas até esta sexta-feira (30), nenhum anúncio público foi feito.
O que é securitização da dívida rural?
A securitização consiste em transformar dívidas existentes em ativos financeiros, que são renegociados com condições mais favoráveis — prazos longos, juros menores, carência e proteção legal contra execuções judiciais. Essa medida foi adotada nos anos 1990 e 2000 como forma de conter o colapso no campo, com relativo sucesso.
Hoje, os agricultores pedem uma nova rodada de securitização, especialmente para dívidas contratadas com bancos públicos (como o Banco do Brasil e o BNDES), cooperativas de crédito e financeiras ligadas ao agronegócio.
A voz dos agricultores: depoimentos do campo
Além das falas de lideranças, muitos agricultores relatam a realidade dura enfrentada em suas propriedades:
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“Plantei soja, colhi pouco, vendi barato e o banco ainda quer me executar”, diz Valdemar Reis, agricultor de Ronda Alta.
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“O milho não pagou nem os custos, e agora estou com três parcelas atrasadas do trator. Como vou pagar?”, questiona Rosana Telles, produtora de leite em Getúlio Vargas.
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“Nos prometeram subsídios, mas só quem está no grande agronegócio consegue acesso. O pequeno sofre calado”, lamenta André Luiz dos Santos, de Três Palmeiras.
O campo exige respostas, e o Brasil precisa escutá-lo
O protesto dos agricultores entre Santa Catarina e o Rio Grande do Sul revela um problema estrutural que ameaça não só os produtores rurais, mas toda a cadeia alimentar do país. O campo brasileiro é responsável por garantir alimento na mesa das famílias, movimentar a economia e impulsionar as exportações. No entanto, enfrenta dificuldades crescentes para se manter financeiramente viável.
Sem medidas concretas de apoio, a crise pode se aprofundar — e o Brasil inteiro sentirá os efeitos. Os bloqueios nas rodovias são um pedido de socorro. Um alerta claro. Cabe agora às autoridades responder com a urgência e o respeito que o setor merece.

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