A imposição de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, balançou as estruturas políticas e econômicas do agronegócio nacional. Considerada uma das maiores aliadas do bolsonarismo no Congresso, a bancada ruralista agora enfrenta um dilema constrangedor: como reagir a uma sanção comercial vinda justamente de uma figura idolatrada por boa parte de seus integrantes. A situação evidenciou as fragilidades do alinhamento ideológico do setor com lideranças internacionais e reacendeu discussões sobre soberania econômica, diplomacia e diversificação de mercados.
A bomba tarifária de Trump
Donald Trump, favorito na disputa presidencial norte-americana, anunciou que os produtos brasileiros sofrerão tarifação de 50% a partir de 1º de agosto. A justificativa, embora não tenha base técnica formal, foi inteiramente política: segundo o republicano, a medida seria uma forma de retaliação à "caça às bruxas" promovida pelo Judiciário brasileiro contra Jair Bolsonaro, seu aliado ideológico.
A decisão ameaça bilhões em exportações brasileiras, especialmente nos setores de laranja, café e carne — fortemente dependentes do mercado americano. Em 2023, o Brasil exportou mais de US$ 40 bilhões para os EUA, segundo maior parceiro comercial do país.
Embate político gera embaraço ruralista
Embora tenham evitado críticas públicas à família Bolsonaro, parlamentares da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) admitiram, nos bastidores, profundo desconforto com a situação. Para muitos, é paradoxal que produtores rurais, em sua maioria conservadores e alinhados a Bolsonaro, estejam sendo prejudicados por um ato unilateral de seu maior ídolo internacional.
“É constrangedor. Parte do nosso setor está em risco comercial, em grande parte por razões políticas ligadas a figuras que muitos aqui defendem incondicionalmente”, disse um deputado da FPA, sob reserva.
Essa contradição colocou a bancada ruralista em uma verdadeira saia justa. Romper com Bolsonaro é arriscado — afinal, boa parte dos parlamentares do agro foi eleita sob sua influência. Mas manter-se em silêncio diante de uma medida que ameaça empregos, renda e produção no campo também é politicamente delicado.
O papel de Lula e o desgaste diplomático
Do lado governista, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também foi apontado como um fator agravante para o desgaste nas relações com os EUA. Críticas abertas ao dólar como moeda dominante durante a cúpula dos Brics, bem como o apoio à causa palestina e a postura simpática a regimes como Cuba, Venezuela e Irã, são vistas por opositores como elementos que contribuíram para o esfriamento diplomático com Washington.
“Houve um derretimento das relações diplomáticas com os Estados Unidos. É preciso equilíbrio e não misturar ideologia com política comercial”, declarou o deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da FPA.
A crítica sugere que Lula deveria adotar uma postura mais pragmática nas relações exteriores, evitando antagonismos desnecessários que coloquem em risco interesses comerciais estratégicos.
Ministro Fávaro tenta salvar a imagem do governo
Em meio à tensão, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, tem se posicionado como uma ponte entre o Planalto e o agronegócio. Senador licenciado pelo Mato Grosso e político moderado, Fávaro chamou a taxação de “indecente” e iniciou diálogo com entidades do setor.
“Não aceitaremos esse tipo de atitude. Vamos buscar novos mercados e proteger nossos produtores”, afirmou o ministro.
Sua atuação tem sido elogiada inclusive por parlamentares de oposição, que reconhecem sua tentativa de isolar a crise da disputa ideológica.
A Lei da Reciprocidade Econômica: trunfo ou risco?
Diante do impasse, cresce a pressão para que o Brasil use a Lei da Reciprocidade Econômica, aprovada pelo Congresso em abril. A norma permite ao país adotar sanções comerciais contra nações que prejudiquem a competitividade brasileira.
A lei surgiu em resposta ao primeiro tarifaço de Trump, e sua relatora foi a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura e uma das principais vozes do agro bolsonarista.
Apesar das resistências iniciais, o texto foi aprovado por unanimidade no Senado (70 votos a 0) e por aclamação na Câmara. Ele autoriza a Câmara de Comércio Exterior (Camex) a suspender concessões e adotar retaliações a países que afetem negativamente os interesses econômicos do Brasil.
Agora, com Trump ameaçando novamente, o dispositivo ganha relevância, mas o governo prefere, por ora, apostar na via diplomática.
Impactos econômicos para o agro brasileiro
Os Estados Unidos representam mercado-chave para o agronegócio brasileiro, apesar da competição em segmentos como soja, milho e algodão. Os principais itens exportados para os EUA são:
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Carne bovina fresca
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Café
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Óleos combustíveis
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Siderúrgicos
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Aeronaves e peças
Com a nova tarifa, a competitividade desses produtos será fortemente comprometida. Empresas terão que repassar o custo ao consumidor americano, perdendo mercado para concorrentes.
Ruralistas entre a cruz e a espada
A base eleitoral da FPA está firmemente apoiada no interior do país, especialmente em estados como Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná — todos redutos bolsonaristas. Romper com Bolsonaro neste momento, antes de se saber seu alcance nas eleições de 2026, é visto como politicamente suicida por boa parte da bancada.
Mas ignorar o tarifaço seria trair os próprios produtores que ajudaram a elegê-los.
“A única saída possível é a diplomacia. Retaliação pode parecer forte, mas precisa ser técnica e calculada”, disse outro parlamentar.
O clima é de cautela, e a palavra de ordem no Congresso é equilíbrio.
Diversificar ou retaliar? Os dois caminhos
Especialistas sugerem que o Brasil deve aproveitar a crise para diversificar sua pauta de exportações e seus mercados compradores. A dependência de grandes potências como os EUA, em momentos de crise, revela o risco da concentração.
Por outro lado, sanções de reciprocidade podem ser inevitáveis, caso a diplomacia fracasse. O governo estuda adotar medidas pontuais, sem escalar a crise, mas com impacto suficiente para forçar negociações.
O agro pede equilíbrio, não ideologia
Em nota, a Frente Parlamentar da Agropecuária destacou a necessidade de uma “resposta firme e estratégica” por parte do Brasil, sem descartar a diplomacia como caminho principal.
“Não podemos permitir que disputas políticas externas coloquem em risco nossos produtores. O Brasil precisa agir com inteligência e firmeza”, diz o texto.
O apelo é claro: que a economia prevaleça sobre ideologias e que os interesses do campo não fiquem reféns de agendas pessoais.
O tarifaço de Donald Trump expôs uma ferida aberta no coração do agronegócio brasileiro: a dependência econômica dos Estados Unidos, a fragilidade da política externa e o conflito entre lealdade ideológica e pragmatismo comercial. A bancada ruralista, historicamente fiel a Bolsonaro, vive um momento de tensão e reposicionamento, buscando conciliar interesses eleitorais com a sobrevivência econômica de seus representados.
O governo Lula, por sua vez, é desafiado a lidar com a crise sem escalar conflitos diplomáticos. Mais do que nunca, será necessário agir com estratégia, evitar provocações e defender os interesses nacionais acima de ideologias.
A resposta brasileira a essa nova provocação será crucial não apenas para o agro, mas para todo o comércio exterior do país.

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