O mês de abril começou com um aumento significativo das mobilizações promovidas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), reacendendo um dos debates mais sensíveis da política brasileira: a reforma agrária. Como parte do chamado “Abril Vermelho” — uma mobilização histórica do movimento —, 23 ocupações de propriedades rurais e órgãos públicos foram registradas apenas na primeira quinzena do mês, espalhadas por ao menos dez estados do país.
As ações, organizadas de maneira coordenada e simultânea, buscam pressionar o governo federal por avanços concretos na distribuição de terras e no fortalecimento da agricultura familiar. Ao mesmo tempo, elas provocam reações intensas de diferentes setores da sociedade, em especial do agronegócio e de parlamentares ligados ao setor rural.
Abril Vermelho: uma tradição de luta no campo
Desde 1997, o “Abril Vermelho” representa o principal período de mobilização do MST. A escolha do mês se dá em memória ao massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido no Pará em 17 de abril daquele ano, quando 19 trabalhadores rurais foram mortos pela Polícia Militar durante uma manifestação.
A data, desde então, tornou-se símbolo da luta pela reforma agrária e pelo reconhecimento dos direitos dos trabalhadores do campo. Neste ano, as ações do MST demonstram uma organização estratégica e ampla, com ocupações simultâneas em diversas regiões do país.
Estados afetados pelas ocupações
As ocupações realizadas pelo MST desde o início de abril ocorreram em estados das regiões Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Norte, evidenciando a capilaridade do movimento. Os estados com registros de ações são:
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Pernambuco
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Minas Gerais
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Paraíba
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Rio Grande do Norte
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São Paulo
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Ceará
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Goiás
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Rio de Janeiro
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Sergipe
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Pará
Em Pernambuco, por exemplo, foram ocupadas a Usina Santa Teresa, no município de Goiana, e uma fazenda da empresa CopaFruit, em Petrolina. Já no Rio Grande do Norte, o alvo foi a fazenda experimental da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa), em Mossoró.
Natureza das ocupações: propriedades privadas e públicas
As ações do MST incluem tanto propriedades privadas quanto áreas públicas subutilizadas. Segundo os representantes do movimento, os alvos são escolhidos com base na existência de terras improdutivas ou com histórico de passivos trabalhistas e ambientais. A alegação central é a de que essas terras não cumprem a função social estabelecida pela Constituição Federal.
Entre as propriedades ocupadas há fazendas de empresas agrícolas, áreas experimentais de universidades públicas e até espaços vinculados ao governo federal. As ações são pacíficas em sua maioria, embora algumas tenham gerado tensões com forças de segurança e produtores locais.
Reações do setor político e do agronegócio
As mobilizações do MST causaram forte reação por parte da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que criticou duramente a atuação do governo federal. Segundo os parlamentares da FPA, o Executivo estaria sendo conivente com as ações do movimento, o que poderia estimular novas ocupações e gerar instabilidade no campo.
Em nota oficial, a FPA afirmou que "as invasões são ilegais, colocam em risco a segurança jurídica da propriedade privada e precisam ser tratadas com firmeza pelas autoridades competentes". O grupo também tem pressionado o Congresso para aprovar medidas que dificultem a ocupação de terras, como projetos que endurecem a punição para invasores.
Resposta do governo: diálogo e retomada da reforma agrária
Em resposta às críticas, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, declarou que o governo federal está comprometido com a retomada da reforma agrária e que as ações do MST estão sendo tratadas com diálogo e busca de soluções pacíficas. Ele destacou que a atual gestão pretende recuperar o ritmo da distribuição de terras verificado nos primeiros mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo o ministro, "a reforma agrária é uma política pública legítima, necessária e que precisa ser implementada com base no diálogo, na legalidade e na justiça social". Teixeira também afirmou que o governo está mapeando terras passíveis de desapropriação para destinação a famílias sem terra.
A tensão no campo e o desafio da mediação
O cenário atual escancara um desafio que acompanha o Brasil há décadas: como equilibrar os interesses do agronegócio — um dos pilares da economia nacional — com os direitos dos trabalhadores rurais sem terra? A reforma agrária, prevista na Constituição, ainda é uma pauta sensível, com entraves burocráticos, resistência política e, muitas vezes, conflitos violentos.
Especialistas em políticas agrárias apontam que, sem avanços concretos, as ocupações tendem a continuar como forma de pressionar o Estado. No entanto, também alertam para o risco de escalada de confrontos e criminalização dos movimentos sociais.
O papel da sociedade civil e da mídia
A cobertura midiática das ações do MST tem papel central na formação da opinião pública. Enquanto parte da sociedade vê o movimento como legítimo e necessário para corrigir desigualdades históricas, outra parcela o enxerga como um grupo invasor que ameaça a ordem e a propriedade privada.
Nesse contexto, cresce a importância do jornalismo responsável e do debate público baseado em dados, contexto histórico e análise de longo prazo. A reforma agrária não é apenas uma questão fundiária: ela envolve dignidade, desenvolvimento regional e justiça social.
A reforma agrária no Brasil: um retrato atual
Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o número de assentamentos criados caiu drasticamente nos últimos anos, refletindo uma desaceleração da política de reforma agrária. Em contrapartida, aumentou o número de conflitos no campo, envolvendo posseiros, grandes proprietários e comunidades tradicionais.
O Brasil ainda possui milhões de hectares de terras concentradas nas mãos de poucos — um cenário que alimenta desigualdades e instabilidade no meio rural. O desafio do governo, portanto, é encontrar um caminho que avance com a distribuição de terras sem ferir a legalidade ou alimentar tensões sociais.
As ocupações lideradas pelo MST em abril de 2025 mostram que a reforma agrária segue sendo uma das grandes pendências sociais e políticas do Brasil. O movimento, com suas ações coordenadas em dez estados, não apenas pressiona o governo federal, mas também obriga o país a retomar uma discussão que há muito tempo foi empurrada para segundo plano.
O desafio do governo está em equilibrar diálogo, legalidade e ação efetiva, de modo a garantir a paz no campo e, ao mesmo tempo, corrigir injustiças históricas. Já a sociedade civil precisa se engajar nesse debate com responsabilidade e consciência de que o campo brasileiro não será pacificado apenas com repressão — mas sim com política pública, justiça social e desenvolvimento rural sustentável.
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