A crise entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ganhou um novo capítulo na sexta-feira (25), quando o ministro Alexandre de Moraes determinou a retirada imediata de parlamentares do Partido Liberal que estavam, ou supostamente estariam, acampados na Praça dos Três Poderes. A decisão judicial, que atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), também proibiu expressamente a formação de novos acampamentos no local, sob risco de prisão em flagrante por desobediência.
Nomeados na decisão, os deputados federais Hélio Lopes (PL-RJ), Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), Cabo Gilberto Silva (PL-PB), Coronel Chrisóstomo (PL-RO) e Rodrigo da Zaeli (PL-MT) foram alvo de medidas enérgicas por parte do STF, ainda que alguns deles tenham negado publicamente estarem em Brasília no momento.
A ação do Judiciário reacende o debate sobre os limites da manifestação política, o papel das instituições democráticas e os ecos dos atos de 8 de janeiro de 2023, quando golpistas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes.
Moraes atende pedido da PGR e ordena retirada de parlamentares
A decisão de Moraes foi clara e categórica: a Polícia Militar do Distrito Federal deveria agir imediatamente para retirar os parlamentares que protestavam nas proximidades do Supremo Tribunal Federal. A determinação foi tomada após representação da Procuradoria-Geral da República, que alegou risco à ordem pública e possível desobediência a decisões judiciais anteriores.
A decisão judicial reforça a proibição de manifestações não autorizadas na Praça dos Três Poderes — um local simbólico do poder institucional brasileiro — e evoca diretamente a lembrança dos acampamentos que precederam os ataques às instituições em 2023.
Deputados rebatem Moraes e negam presença em Brasília
Apesar da decisão nominal, dois dos parlamentares citados — Sóstenes Cavalcante e Cabo Gilberto Silva — usaram as redes sociais para afirmar que não estavam em Brasília durante o protesto.
“Estou no Rio de Janeiro, trabalhando na minha base eleitoral. Não estou em frente ao STF, como ele decidiu afirmar em sua decisão de me retirar”, escreveu Sóstenes em sua conta no X (antigo Twitter). Em tom crítico, acrescentou: “O Brasil já não é mais um país democrático”.
Da mesma forma, Cabo Gilberto Silva se manifestou: “Mais um erro grave do STF. Eu estou trabalhando na Paraíba nesse momento, não estou na Praça dos Três Poderes em Brasília como afirmou a decisão”.
As declarações expõem a fragilidade das informações repassadas à Suprema Corte, ou ao menos indicam possíveis falhas na checagem da localização dos parlamentares antes da emissão da ordem.
Hélio Lopes questiona democracia: “Se liberdade precisa de escolta...”
Outro citado na decisão, o deputado Hélio Lopes — conhecido por sua fidelidade ao ex-presidente Bolsonaro — também se pronunciou após ser informado da ordem de retirada. Segundo ele, a Praça dos Três Poderes foi cercada pela polícia como parte da execução da decisão judicial.
“Se a liberdade precisa de escolta, então já não estamos em uma democracia plena”, escreveu Lopes em tom alarmado, ressaltando sua visão de que o direito à manifestação estaria sendo suprimido por meio de medidas judiciais excessivas.
Governador do DF também foi notificado
O ministro Alexandre de Moraes também notificou o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), determinando que não permita a formação de novos acampamentos na Praça dos Três Poderes.
A decisão estabelece claramente que, em caso de descumprimento ou resistência, os envolvidos poderão ser presos em flagrante. Essa medida reforça o caráter preventivo e punitivo das ações do STF diante de atos que julga como potencialmente criminosos.
A inclusão do governador na determinação demonstra que o STF deseja evitar omissões por parte do Executivo local, como ocorreu antes dos atos golpistas de janeiro de 2023 — motivo pelo qual Ibaneis chegou a ser afastado temporariamente do cargo à época.
A sombra de 8 de janeiro ainda paira sobre Brasília
Desde os ataques de 8 de janeiro de 2023, o Supremo Tribunal Federal tem adotado uma postura de tolerância zero em relação a protestos que envolvam o entorno da Praça dos Três Poderes. O trauma dos ataques ainda influencia diretamente as decisões da Corte, especialmente as tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes, relator de diversos inquéritos que investigam atos antidemocráticos.
A movimentação de parlamentares aliados de Bolsonaro em locais simbólicos é encarada com desconfiança pelo Judiciário e pelas forças de segurança. Segundo fontes ligadas ao STF, permitir novos acampamentos na região seria reabrir brechas para episódios semelhantes ao do início de 2023.
O que diz a Constituição sobre liberdade de expressão e manifestações?
O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 garante o direito à liberdade de expressão e de reunião pacífica. No entanto, essas garantias não são absolutas e podem ser limitadas em nome da preservação da ordem pública, da segurança nacional ou do respeito às instituições.
No caso específico das manifestações em áreas de segurança institucional, como a Praça dos Três Poderes, há jurisprudência consolidada no STF autorizando restrições, especialmente quando se trata de atos com potencial desestabilizador do regime democrático.
Moraes tem sustentado esse entendimento em várias decisões recentes, o que alimenta críticas por parte de opositores do Judiciário, que o acusam de abuso de poder e cerceamento de liberdades.
Implicações políticas da decisão
A ordem de retirada de parlamentares tem forte impacto político, especialmente para a base bolsonarista. A ação judicial foi vista por aliados de Bolsonaro como mais uma demonstração do que chamam de “perseguição política” contra conservadores.
Por outro lado, setores da sociedade que apoiam o STF veem a medida como necessária para impedir o retorno de práticas que colocaram em risco o Estado democrático de direito.
Com o PL, partido de Bolsonaro, já preparando estratégias para as eleições de 2026, esse tipo de embate institucional tende a crescer. A narrativa de “vitimização” do ex-presidente e seus aliados tem forte apelo entre seus eleitores mais fiéis, e decisões como essa acabam por reforçar esse sentimento.
Liberdade de expressão ou ameaça à democracia?
A linha entre liberdade de expressão e ameaça às instituições democráticas é tênue, especialmente no cenário brasileiro atual. De um lado, a defesa da livre manifestação é um pilar da democracia; de outro, há o dever do Estado em proteger as instituições contra ameaças concretas ou simbólicas.
A decisão de Moraes será, sem dúvida, tema de debate nos próximos dias, dentro e fora do Congresso Nacional. O episódio evidencia mais uma vez a tensão entre o Poder Judiciário e a ala conservadora da política brasileira — um embate que, longe de ser episódico, parece ter se tornado estrutural no atual momento do país.
A determinação do ministro Alexandre de Moraes de retirar parlamentares da Praça dos Três Poderes e proibir novos acampamentos representa mais do que uma simples decisão judicial. Ela simboliza o estado de tensão institucional que ainda domina o cenário político brasileiro após os eventos de 8 de janeiro de 2023.
Enquanto o Supremo Tribunal Federal atua em defesa da ordem e da estabilidade democrática, parte da população e da classe política enxerga essas ações como ataques à liberdade de expressão. Nesse contexto, é cada vez mais urgente que o país retome o caminho do diálogo e da construção institucional, afastando-se dos extremos que ameaçam o convívio democrático.

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